sexta-feira, 15 de abril de 2011

Ontem fez 4 anos

Estava eu deitada numa cama de hospital. Nervosa. Tinha passado mais uma noite terrível. Mas em vez de perder apenas líquido, como tinha sido essa última semana, estava também com hemorragias. Não sabia como ele estava, mas sabia que ainda se mexia: sempre que "cutucava" a barriga, ele respondia-me. Menos mal. Mas estaria bem? Os hospitais não são perfeitos... E a minha história tinha sido imperfeita também. Já fazia uma semana que lá estava. Uma semana a entrar em trabalho de parto e a injectarem-me sei lá o quê para parar as contracções. E sim, foi funcionando. Mas não era perfeito.
Às 11h30 fui levada para fazer uma ecografia. Estava tudo bem com ele... mas ao fim de alguma insistência por parte da médica, lá se descobriu que a dilatação já estava feita. Já nem tinha direito a epidural. Fui levada para o bloco de partos para esperar. Nascia nesse dia.
Eram 14h30 e continuava à espera... Cansada e dormente. Ligada à máquina que media as contracções, que já lá estavam outra vez. Eu sou sincera: não sentia nadinha. Só cansaço. Preocupação. Tinha aguentado uma semana mais. Mas ainda faltavam 12. E o que custariam essas 12 semanas a menos? A parte egoísta estava contente: não aguentava mais um dia assim. Não aguentava novo trabalho de parto que fosse para parar outra vez. Mais não. Vieram injectar-me qualquer coisa para acelerar o processo, já que estava a ser mais lento do que devia...
Às 17h00 apareceu uma enfermeira. A mesma que me tinha admitido uma semana antes. Conversámos um pouco e toca de ver como estávamos de tempo. A sensação de esvaziamento foi estranha... Achei que tinha sido o resto do líquido que tinha saído. A bolsa teria finalmente rebentado? Já estava furada há algum tempo. Só quando olhei para a enfermeira é que pensei "se calhar não é o líquido...". A senhora estava branca. Chamou a colega responsável que, ao mesmo tempo que entrou, perdeu a cor e saiu a correr a chamar médica. "Mau...- pensei - passa-se alguma coisa...". A médica entrou e só disse "Vamos já para cesariana". A enfermeira a explicar que a criança já estava com a cabeça a ver-se, a médica a responder que não aguentávamos, que não dava para esperar, o anestesista que estava a dar uma epidural a outra futura mamã a perguntar-me o peso, uma equipa de não sei quantos que entrou de rompante, despiram-me, raparam-me, colocaram algália, mudaram-me para uma maca e saímos de rompante em direcção à sala de cirurgia. Eu chorava e ninguém me explicava o que se passava. Mas sabia que, no meio de toda a imperfeição até aí, ainda menos perfeito estava a ser. No meio de todo o vendaval olhei para a cama de onde me tiraram. E, se todo aquele sangue era meu, o prognóstico não seria o melhor.
Pouco depois estava a dormir - foram mais umas peripécias pelo meio, mas nenhuma agradável. Às 17h44 o Mister nascia. Às 19h00 eu acordava novamente, agora mãe. Só me disseram que estava vivo e nada mais.
No dia seguinte, a médica foi falar comigo. A placenta tinha descolado antes do tempo. Estávamos os dois em risco e daí a cesariana. Era um caso raro, mas que às vezes acontece. Que tinha perdido muito sangue, assim como ele. Que tinha tido uma paragem respiratória, mas que estava tudo bem comigo.
Passei o dia à espera para ver o meu pequeno. Como seria. Que tamanho teria. Só me diziam que estava tudo bem, para não me preocupar. Mas eu estava num quarto com mais duas mães. E essas duas mães tinham os seus bebés com elas. E esses bebés é que me interrompiam o sono. Ok, fofinhos e afins, mas não eram o meu!
Só as 23h20 é que me levaram, de cadeira de rodas, a ver o Mister. Era pequenino, verdade, mas maior do que eu estava à espera: 1,370kg e 40cm. Cabeludo e pisado. Cheio de tubos. Dentro de uma caixa transparente. Só depois me contaram: ele nasceu e passou mal. Muito. Paragens cardíacas, respiratórias, tudo o que não devia acontecer, aconteceu. Até os médicos dizerem que não havia nada mais a fazer. Foram 4 horas à volta dele, persistentes e resistentes, mas não havia mais nada que estivesse ao alcance deles. Foi um anjo vestido de Doutor que esteve duas horas a apertar um ambu para que ele respirasse, pois o ventilador não estava a funcionar com o meu pequeno. Foi esse mesmo anjo que esteve toda a noite ao lado dele, mesmo depois de acabar o seu turno. O Mister acabou por reagir, mas só depois da equipa ter desistido. Como que a recompensá-los por todo o trabalho até aí. " Vocês esforçaram-se, agora é a minha vez". Esforçou-se sempre. Contra a icterícia que foi violenta e não o largava. Com a sépsis que demorou a largá-lo.
Disseram-me sempre que iria ter sequelas. Que tinha sido demasiado tempo com pouco oxigénio. Que tinham sido demasiados problemas em tão pouco tempo. Que me preparasse. Que me preparasse para passar muito tempo à espera da alta hospitalar. Que me preparasse para ir para casa com um Mister diferente do que teria sonhado. Que não seria perfeito. Nada tinha sido perfeito.
A verdade?
Nasceu com 28 semanas. Com um mês de idade foi transferido para um outro hospital. Passado duas semanas teve alta. Tinha 35 semanas e 2,250kg. Às 40 semanas tinha 53cm e 3,650kg.
Ontem fez 4 anos. Está crescido. É uma criança saudável.
Pode ter sido um percurso imperfeito, mas não interessa. Porque, no final, tudo ficou perfeito. E ontem celebrámos 4 anos de perfeição.

15 comentários:

Paula noguerra disse...

E no meio de tanta complicação aconteceu o MILAGRE. E esse sim é de louvar. E como é bom de ouvir que ele está bem, que continua a crescer saudável e feliz.
PARABENS AOS DOIS!

Uma beijocas super doce***

Os meus momentos favoritos disse...

Parabéns aos dois. Beijinhos e bom fim de semana.

Jolie disse...

arrepiada até à medula.

Parabéns!

(e parece-me pouco a palavra. mas é perfeita)

Não sei que diga disse...

Parabéns aos dois. Felicidades!

@na disse...

[já passou...]

grande beijo de parabéns aos dois
:))

Brisa disse...

Fiquei arrepiada com o teu relato. Mas o que importa é o final feliz. Dos dois. Parabéns ao filhote e à mamã, cada qual o mais forte!

só 1 mulher disse...

Uma historia verdadeiramente impressionante... e temos um homenzinho a crescer e uma mãe badada e com toda a razão... beijinho grande grande grande.. e o melhor do mundo para os 3... tu sabes

Turista disse...

Querida Crente, nem sei como começar... foste uma heroína e o teu pequenino, um herói. Se este início de vida não o derrubou, nada haverá no seu percurso que o faça ir abaixo, tenho a certeza.
Um grande beijo de parabéns aos dois :)

Crenteoptimista disse...

Obrigada a todas :)
Já passou sim e estou prontinha para outra. Mas de preferência mais calma :)

zitamina disse...

hoje só me dá para chorar, e ler este relato deixou-me mesmo em pranto... oh...
posso imaginar a dor que passaste, mas o que interessa é ele (e tu) agora estarem bem. Muitos parabéns aos dois, e felicidades

mariaigg disse...

Que relato tão emocionante. Tão bonito e tão perfeito.
Parabéns aos dois, Mãe e Filho. Parabéns!

Rute disse...

Arrepiei-me e emocionei-me bastante com o teu relato, vocês são uns verdadeiros sobreviventes! Parabéns a vocês, que sejam sempre felizes!
Bj grande e um abraço apertadinho!

Madame Pirulitos disse...

Eu agora, se leio estórias destas, não consigo não chorar.
Que mãe valente. A princesa mais valente. Que deu à lua o bebé mais valente de todos!

parabéns minha querida Crente!

Especialmente Gaspas disse...

Correu bem, e ainda bem!!! Vida longa... ;)

Sandra B. N. disse...

vim do blog "a mãe que capotou", do post da revolução flexi-laboral e fui andando por aqui, gostando da escrita e cheguei a este post...
só qdo cheguei ao fim é que me apercebi que estava com a respiração quase suspensa... que relato, que experiência, que força!

parabéns a ambos.
bjs